Fazer o que puder, quando puder...

...dois segundos depois levantou voo. As pernas finas completamente
esticadas para trás e o pescoço esguio, oscilando lentamente ao sabor
do batimento ritmado das asas, resultavam numa imagem muito
tranquilizante e esteticamente muito bela.

Desisto!

Já não há estratégia ou planeamento que resista a a todas as solicitações deste início de ano.

Todas as semanas vão surgindo eventos familiares ou profissionais que exigem o máximo de mim. As horas do dia já não chegam para acorrer a tudo...

Esta manhã de sábado apresenta-se como a única possibilidade de usufruir de um tempo para mim. Apesar do desgaste fisico e emocional da semana e após uma enorme hesitação lá rumei á serra. Ao sábado, sei que encontrarei os trilhos completamente desertos mas é mesmo isso que eu preciso, apesar do perigo adicional que a situação representa. O telemovel que levo no braço é a minha única ligação ao "mundo civilizado" e á minha assustada esposa sempre que venho para aqui sozinho.

Os pensamentos rolam á volta dos problemas de saúde recentes do meu pai, da minha sogra, das exigências profissionais etc.. Uma conjuntura terrivel de responsabilidades permanentes.

Imerso nestas cogitações, corria num trilho sobre a margem direita do rio que, ao longo dos quilómetros, me elevaria gradualmente até ao topo da serra. Uma garça, parada numa pedra no meio do rio, olhava desconfiadamente para mim. Parei para a observar mas dois segundos depois levantou voo. As pernas finas completamente esticadas para trás e o pescoço esguio, oscilando lentamente ao sabor do batimento ritmado das asas, resultavam numa imagem muito tranquilizante e estéticamente muito bela. Fiquei algum tempo a olhar  enquanto ela deslizava a centímetros da água. Este foi o único momento vivido de fora para dentro, o único que me entregou algo de emocionalmente positivo.

Sempre com a cabeça num turbilhão de pensamentos, fui deixando os quilómetros passarem por debaixo dos pés. De quando em vez, uma brisa mais gelada acordava-me para a realidade e recolocava-me no momento, uma espécie de "reset" para quebrar o "loop" de preocupação que me ocupa profundamente.

Nunca estive envolvido na preparação de uma prova com um enquadramento tão desfavorável. Para um corredor do pelotão, cuja ambição passa por se vencer a ele próprio e terminar os desafios a que se propõe, esta é uma enorme adição de dificuldade.

Sei que nada dura para sempre, nem mesmo as coisas más,  pelo que melhores dias virão.

Para já tem que ser assim: - Fazer o que puder, quando puder...

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